quarta-feira, 1 de maio de 2013

Acima do Sótão

     Eu sempre vi as coisas de um modo diferente. No início eu falava do que eu enxergava naturalmente, mas ninguém entendia ou acabava sobrando para mim. Depois de um tempo passei a guardar a visão dessa camada do mundo só para mim e me escondi naquele sótão daquela casa antiga que ninguém notava entre as árvores. 

      Eu costumava pensar que a vida é um jogo de xadrez, para ganhar você tem que olhar o tabuleiro de cima, por que só descobrindo o próximo movimento dos adversários você vai fazer a melhor jogada. Não, o mundo não está cheio de inimigos a serem derrotados, mas quando você percebe onde os passos das pessoas próximas a vocês estão levando elas você definitivamente não quer ir para lá. De repente você percebe que não está mais conectado ao mundo e não resta muito a fazer do que sentar e ficar olhando o espetáculo com aquela sensação de que perdeu o ônibus. 

      Nesse momento, começa a bater aquela tristeza sem motivo e você começa a odiar todas as coisas que te fazem ser diferente, que te afastaram com o tempo dos amigos mesmo vendo eles toda semana. Assim eu aprendi que a maior qualidade de alguém é ao mesmo tempo seu pior defeito. Muito divertido? Abestalhado. Corajoso? Inconsequente. Cuidadoso? Medroso e assim vai. Uma qualidade sempre tem duas pontas e as minhas estavam começando a me espetar. Foi quando eu tive um encontro inesperado. 

      Alguém com quem eu apenas troquei “oi” vazios quase todos os dias de repente apareceu com um assunto que nós dois usamos de pretexto. Muitas prateleiras observadas e paginas viradas na livraria em que estávamos eu percebi assustado onde tínhamos ido parar: naquela dimensão que eu nunca havia dividido com outra pessoa. Depois de tanto tempo sem ver ninguém naquela camada do mundo eu já acreditava que aquele lugar era deserto e quando me dou conta, estou conversando com aquela mulher. Foi inevitável falar da minha tristeza de viver naquele lugar sozinho tanto tempo por que minha forma não se encaixava no mundo lá fora e surpreendentemente ela me diz que é justamente essa forma estranha que ela gosta em mim. 

       Logo fará um ano que estamos juntos e ao mesmo tempo que parece pouco tempo, também é muito pouco para tudo que aconteceu. Hoje eu não vejo aquele lugar acima das outras casas como meu quarto escuro no sótão, mas como o nosso cantinho, nosso mundo que decoramos como queremos e de onde teimamos em sair. Talvez nunca saiamos, talvez alguém vá embora e esqueça a porta aberta, mas a verdade é que eu sempre vou ficar espiando pela fechadura esperando que ela volte para acender a luz.


F. Essy

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